domingo, 11 de abril de 2010

Roda, roda e avisa: tem chacrete no cinema



Autor de dois filmes de ficção densos e dramáticos – La titude zero ( 2001) e Cabra-cega, (2005) – Toni Venturi não tinha a menor ideia da dimensão do efeito catártico que o esperava ao realizar Rita Cadillac – A lady do povo, documentário que desmitifica um dos maiores símbolos sexuais do Brasil.

O filme, que chega ao circuito sexta-feira, refaz o caminho da dançarina mais popular dos programas de auditório comandados pelo comunicador José Abelardo Barbosa de Medeiros, o Chacrinha (19161988), da órfã criada pela avó nas ruas da Lapa à meteórica carreira em filmes pornôs, no início deste século e, no processo, expõe a intimidade da vedete sobre a qual o brasileiro só conhece as abundantes formas.

– O pacto que fiz com ela foi esse, queria mostrar não só o lado A da Rita, o produto dos palcos, da carreira, a imagem pública, mas também e, principalmente, o lado B, a Rita sem glamour, que anda de moletom dentro de casa, que serve feijoada e que sofre como qualquer ser humano – explica o diretor paulista de 54 anos. – A princípio, ela ficou surpresa com a proposta: “Você quer mesmo fazer um documentário sobre mim?” Mas, em seguida, mergulhou nesse pacto, porque ficou claro para ela que eu não queria fazer apologias sobre a ex-vedete, íamos conversar sobre todos os aspectos de sua vida, e com toda a franqueza.

Sem máscaras Trato feito e incredulidades vencidas, o diretor acompanhou a dançarina por dois meses, dentro e fora de casa, em Praia Grande, litoral de São Paulo. Até viajou com ela até sua cidade natal, o Rio, com o firme propósito de resgatar a figura de Rita de Cássia Coutinho, que passou grande parte de sua vida ofuscada pela personagem pública criada por ela mesma. As filmagens registram, por exemplo, a emocionada descoberta de uma irmã de Rita, de quem ela se separou na infância, quando ambas foram adotadas por famílias diferentes.


O filme chega a testemunhar o casamento-surpresa de Rita de Cássia com o então namorado e fã de longa data da Rita Cadillac, o ícone, de quem hoje está separada.

– O que o filme conta é a história de uma sobrevivente – resume Venturi. – A Rita me emocionou com sua generosidade.

No contato com ela, a gente logo descobre que por trás do vulcão de sensuali dade, há uma mulher carinhosa, inteligente, que leva a vida sem máscaras.

A lady do povo administra com alguma elegância momentos de humor e os dramas pessoais da trajetória de Rita, como quando ela confessa ter feito programas para sobreviver, antes do estrelato.

– Sempre disse que a minha vida era um livro aberto. Mas o Toni conseguiu recuperar algumas páginas que eu havia arrancado dele e me ajudou a superálas – comenta Rita, que completa 58 anos em junho.

Uma versão mais curta do documentário, de 48 minutos, foi exibida pelo SBT ainda em 2007, meses antes de alternativa longa fazer sua estreia no Festival do Rio daquele ano.

– O corte exibido no SBT era mais higienizado. Tem coisas sobre a Rita que não dava para mostrar na TV em horário nobre, como os seus filmes pornôs,. A versão para a TV também tinha uma outra pegada, foi estruturada com uma narrativa diferente, mais fragmentada e, portanto, apropriada para o veículo. Não dá para competir com o controle remoto – diz Venturi.

Ao que tudo indica, o SBT não se deu conta do potencial de audiência que tinha nas mãos: – O ibope poderia ter sido maior, se a emissora não o tivesse exibido depois da meia-noite de um domingo, quando o público alvo da Rita, que é o trabalhador, já está na cama há muito tempo – observa o diretor. – Parece que a emissora não comprou a ideia de trabalhar com um produto independente.

Pindorama, do Roberto Berliner, realizado sob o mesmo conceito, também foi exibido meio escondidinho na grade de um domingo do SBT.

Nos cinemas, a carreira de A lady do povo poderá ser até mais comedida, já que quem paga ingresso hoje “é o jovem de classe média, com poder financeiro e cultural maior do que a grande massa que assiste a TV”, como observa Toni Venturi. Mas a limitação que o circuito apresenta não chega a ser , necessariamente, um problema: – Hoje em dia, com a explosão de janelas de exposição e convergência de mídias, pensase em diferentes formas de uso de uma obra. Filmes como Carandiru e Antônia viraram séries de TV; a minissérie de TV Som & fúriaganhou uma versão em cinema. Há ainda a possibilidade de redimensionar um filme para mídias mais específicas, como internet e celular.

Não se pode ver a sala de cinema como uma restrição.


Por Carlos Helí de Almeida - Jornal do Brasil - 11/04/10.


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