domingo, 7 de março de 2010

Mães em 'Viver a vida', Sandra Barsotti e Miwa Yanagizawa dividem afinidades fora da ficção



Após o expediente no estúdio, poucos dias atrás, Sandra Barsotti e Miwa Yanagizawa acharam a maior graça quando perceberam que estavam vestidas como um par de jarras floridas. A preferência por vestidos da mesma estampa, no entanto, é um dos pouquíssimos pontos em comum entre as duas atrizes. Enquanto Sandra é carioca, loira dos olhos azuis, fala pelos cotovelos e já deixou sua marca registrada na história das telenovelas, Miwa é paulista, morena dos olhos apertadinhos, reservada e (praticamente) uma estreante na TV. Antes de se encontrarem no set de "Viver a vida", as duas atrizes percorreram trajetórias profissionais opostas e não se conheciam. Quer dizer, Miwa já sabia muito bem quem seria a sua companheira de núcleo na trama de Manoel Carlos.

- Lembro da Sandra em "O casarão" (novela de Lauro César Muniz, de 1976). Linda de morrer... Quando a encontrei no Projac, falei: "Sannndra Barsotti" - reproduz, com voz de encantamento.

- Nossa, você devia ser molequinha na época. Sou, pelo menos, dez anos mais velha - retruca Sandra. Fazendo as contas: são, na realidade, 14 anos de diferença: ela tem 59 e Miwa, 45.

Para não deixar por menos, Miwa - integrante da Cia. Teatro Autônomo desde 1996 - tratou logo de apresentar à colega o seu trabalho no teatro. Ela tomou coragem de fazer o convite após a gravação de quatro cenas da dupla como Tomie, a mãe de Ellen (Daniele Suzuki), e Yolanda, a mãe de Ariane (Christine Fernandes).

- Fui assistir à peça "Série 21". Fiquei superfeliz, porque até striptease ela fez - lembra Sandra.

- É despojamento... - corrige Miwa.

- Ela traduz assim porque é intelectual. No meu tempo, era striptease mesmo - treplica Sandra, aos risos. - Mas, agora sério, foi uma cena muito bonita, delicada. Fiquei encantada.

Como se pode ver, a empatia entre elas foi imediata. E as duas trataram de abusar da afinidade que rolou nos bastidores para o desenvolvimento de suas personagens em cena.

- Não foi nada combinado, não tinha nada escrito na sinopse. Eu e Sandra tivemos a mesma pegada para as personagens nessa novela que também é uma novela de mães - acredita Miwa. - Tomie e Yolanda tiveram uma cumplicidade desde o começo porque isso é coisa de mãe que conversa na cozinha, não é? As duas encaram a vida de forma leve. Deu liga!

Sandra vai além na análise das mães de filhas únicas - e médicas.

- A Yolanda deve ter vivido muito bem com o marido. E a Tomie, pela tranquilidade, também devia formar um casal harmônico com o esposo - especula Sandra. - Elas são viúvas bem-resolvidas com o passado, presente e sem preocupação com o futuro. São mulheres sozinhas, não dependem afetivamente das filhas. E essa dependência é uma tendência das mães da minha geração. Por isso, acho que as nossas personagens são exemplos de mães-gracinhas.

As próprias atrizes - mães também na vida real - tiram sarro do grude de Yolanda e Tomie na cozinha, na sala, no quintal.

- A gente brinca que, como elas não namoram ninguém, elas se adoram. É um caso de amor platônico - gargalha Sandra.

- Elas formam um casal de companheirismo.... - diverte-se a nissei, já não tão tímida.

A primeira atuação de Miwa na televisão foi justamente em um folhetim de Maneco, "Laços de família" (2000): ela era a Cel, atendente na floricultura de Silvia (Eliete Cigarini). Desde então, foram mais duas, no máximo três, discretas participações.

- "Viver a vida" está sendo a minha infância na TV. A parte técnica é muito forte, então preciso de muita concentração para lidar com esse contexto - analisa Miwa. - Toda vez que entro no estúdio é como uma pequena estreia, tenho nervosinho na barriga.

Se para Miwa o trabalho tem sabor de novidade, para Sandra o gosto é de retomada. Fora uma ponta em "A lua me disse" (2005), a atriz carioca está longe da TV desde "Brida" (1998), da Manchete:

- Estou muito contente porque encontrei uma televisão com pessoas muito mais educadas, mais relaxadas. Mudou para positivo.

O primeiro e único texto de Maneco que Sandra fez antes de "Viver a vida" foi... "Viver a vida". Isso mesmo: uma minissérie exibida na extinta TV Manchete, em 1984.

- Mas não tinha nada a ver com a história atual, era inspirada no filme "Um lugar ao sol". Maneco disse que estamos fazendo bodas de prata - conta a atriz.

Sandra, que ano passado fez 40 anos de profissão, mostrará os melhores momentos de sua trajetória no documentário (ainda sem nome) que está sendo finalizado pelo diretor Adolfo Lachtermacher - filho de Saul Lachtermacher, com quem ela trabalhou em "O marido virgem" e em "Deixa, amorzinho... Deixa".

- Fiquei lisonjeada porque esse documentário está virando uma biografia! - derrete-se ela.

Miwa fica boquiaberta com as histórias de Sandra. Uma das mais cabeludas envolve o cineasta franco-polonês Roman Polanski.

- Foi no começo da minha carreira e acho que fiquei famosa por causa desse boato. Fiz uma viagem à Europa e inventaram que eu era a nova Sharon Tate, a mulher do Polanski que foi brutalmente assassinada! - recorda. - Mas eu realmente conheci o Polanski... Eu sou uma mulher internacional. Está pensando o quê? As pessoas foram construindo essa imagem de mulher fatal e agora sou um ícone da pornochanchada!

Sandra conta, ainda, que sofreu um preconceito danado por conta desse título:

- Uma vez estava no ônibus indo para Teresópolis e um rapaz falou: "Estou te reconhecendo. Você não fez filme pornográfico?" Aí eu falei: "Não, não, não! Filme pornô é muito diferente de pornochanchada".

Após o depoimento, Miwa defende a nova amiga e, em seguida, comenta que começou a trabalhar no teatro. Além de integrar a respeitada Cia. Teatro Autônomo, a atriz dá aulas de interpretação no Nós do Morro desde 2002. Semana passada, inclusive, estava estreando "RockAntygona", no Espaço Sesc.

- Essa é a terceira peça que eu divido a direção com o Guilherme Leme. A primeira foi "O estrangeiro" e a segunda, "Laranja azul" - enumera.

É a deixa para Sandra interromper:

- Eu adorei "Laranja azul"! Digo isso porque agora eu vou a todas as peças dela, né? Comadre é assim... Mesmo quando novela terminar vamos continuar trocando figurinhas!


O Globo - 07/03/10

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